28.2.07

um engano surdo
como quem quer ser deixado
levando-a pela mão
até a desculpa mais proxima

ao fim, sem hesitar

26.2.07

ela acordou hoje antes do sol, como se existisse ar entre uma extremidade e outra do sono. engoliu os sentimentos absorvidos durante os sonhos complexos que nunca entende, mas não digeriu. talvez nem o lanche da tarde. dormiu a outra extremidade. acordou. as vozes borbulhando na cabeça do sono bêbado e pesado e as vozes externas lhe dizendo o que fazer. o sol entrando pela janela lhe feria os olhos como um mandante autoritário que dizia: veja. não. fechou-se se distraindo em si. os pensamentos da garota que ela não sabe quem é, nem pra onde vai.

25.2.07

sobre a memória.

ela nos deixou hoje. da mesma forma como antes, sem laços. só os traços do seu rosto podem confirmar a existência anterior e só tuas mãos poderão cometer os mesmos erros com um silencio impossivelmente nefasto. deixar o cheiro das vontades que existem por si só se alastrar pela casa e saber que enquanto houver portas e janelas abertas por inteiro, nada vai restar. ir embora com a inconstância que volta e com o desfalecer do que fica. o mistério das coisas percorrendo o teu corpo como gelatina, abstraindo na tua memória a incoerência do que sentes, do que te habita, mas amanha já vai embora.


para o joão.

20.2.07

o quarto sela os gritos surdos
enquanto velo meu corpo enrraivecido.
o sentir empoeirado desfalecendo,
na eternidade das horas.

16.2.07

pseudestesia

o sono obsoleto do dia pediu-me 'seja conveniente'
concordo com a áurea da manha e acordo cedo
uma sinfonia de passos, sincronizada com os motores dos automóveis acompanham-me até o fim do alfabeto
sinais, faróis, semáforos e vírgulas
dois pontos pra ti
uma passarela deixada pra trás junto com o outro lado da folha

11.2.07

tocar com os olhos
e suspirar

à vontade

esvaindo-se discretamente
gota-à-gota

8.2.07

por alguma pulsão incoerente
desfaz-se a febre, fluido do medo.
a espuma, o sal, o azul,
aparecendo
pouco a pouco,
ausentam-se.

ir
sem voltar-
-se fosse.

7.2.07

melhor é não burlar o pensamento, não há o cedo, não há o tarde, só há o momento dentro do tempo que a natureza permitir. a vontade é anti-razão, antes do tarde? depois do cedo? a beleza da hora vem estipulada pela natureza surda, muda e ensurdecedora. tudo quieto nos canais de agora, mas um 'ágætis byrjun' quando este vier.



releio os rascunhos pra lembrar,
afinal, quem sois?

lembro de alguém parecido
impossível é dizer de onde vem.

paro diante delas, reconheço-as,
minhas respostas do outro lado da rua,
não ignoro se riem ou dilaceram-se,
mas esqueço as perguntas
e o vento as desfaz.
as cores verde e vermelha se misturam e por um momento me sinto no natal. desejos na linha tênue da moral e olhos faiscantes que não se importam em tragá-la. um ar sempre resolve questões sobre vontade. um ar forte. miseravelmente forte. cubro a barriga, ponto misterioso e caminho em uma linha imaginaria. perco-me entre os odores e o tato, quase um abismo, minha mão e o seu umbigo, o segundo aponta a direção: pulsões e estravagâncias. sua nuca em um dilúvio, só minha. minto para o tempo 'é cedo'. não deixo existir a hora de ir embora e faço um universo que é só meu. paira no ar um cheiro suicida, verde, nitidamente verde. passo minha vez, mas não entrego seus braços. teu corpo quase uma jaula. me infiltro em cada buraco e aceito a condição. minha língua acaricia a tua em um momento de paz infrequente. torpe, presa na semente da vontade. piedade corpo: agüentai! acordo com o nariz grudado em tuas costas e vôo a esmo, entre a rotina e a ilusão.

6.2.07

os tacos do chão da sala não me dizem nada sobre você, enquanto escuto os gritos das crianças no jardim, pisco, absorvo a luz que bate na janela e me encolho entre as cobertas, súbito, me sufoca tua estadia, sinto minha consciência no pé esquerdo, escondida entre os dedos. abro os olhos com bravura em baixo do mesmo teto de todos os dias, juro para ele estar mal disposta e que amanha farei tudo que não fiz hoje. não me levanto, meu céu jurado me permite continuar quente e encolhida como um feto. não há mais gritos no jardim, o silencio se intercala com vozes que te mandam ir embora, mas você dorme.
avesso, pálido
gravo a feição, as rugas
falam por falar, de mim,
de você, em tons pastéis
um peso sublime

hoje eu não quero carregar
essa sombra dos outros natais,
amenizando as estradas
a caminho do sal

essas praias falam por meus pés
o que eu nunca andei,
nem hei de pisar

os carangueijos, lado a lado,
só extensão,

não
há fim

sol em dobro
na imensidão azul,
corpos grudam na areia,
juntos,
não incomodam mais

a falta do escuro,
não incomoda mais